Não é novidade que o comportamento de executivos e lideranças corporativas é transformado com planos de remuneração variável que premiam o desempenho individual e de equipe. Uma vez estabelecidas as metas e as regras do jogo, a direção de qualquer empresa trabalhará duro para fazer jus às recompensas prometidas. Os bons frutos desse processo são bem conhecidos. No entanto, é importante dizer que se os indicadores usados para incentivá-los produzem os efeitos desejados, têm também o poder de desarrumar a casa, sem que isto fique evidente à primeira vista.
Saber escolher os melhores indicadores para avaliar o desempenho do seu time não só permite identificar os principais talentos, como os motiva a se engajarem nos objetivos da empresa. O modelo mais utilizado entre as maiores empresas de capital aberto no Brasil, hoje, consiste na adoção de uma agressiva bonificação de curto prazo em função do grau de cumprimento de metas pré-acordadas. Duas métricas bastante utilizadas são: o lucro líquido e o EBITDA, (cuja sigla significa lucros antes dos juros, impostos, depreciação e amortização).
O lucro líquido, contudo, é um indicador que apresenta diversas complicações para servir de base para qualquer plano de remuneração, pois está sujeito a todo o tipo de malabarismos contábeis. Como, por exemplo, nas empresas de capital fechado, que minimizam, em seus balanços, os lucros reais apurados, buscando fazer frente ao insaciável apetite do fisco. A métrica é, ainda, sensível a questões que nada têm a ver com o desempenho do time da casa. Por exemplo, os acionistas resolveram descapitalizar a empresa via aumento de distribuição de dividendos, o que levou a empresa a tomar dinheiro em bancos? Esse tipo de variável tem impacto direto no lucro líquido, sem que a contribuição direta dos executivos que tornam a empresa mais ou menos competitiva operacionalmente no período possa ser avaliada. Assim, ainda que a alta cúpula de uma organização dê o seu máximo, se sua remuneração variável estiver atrelada ao indicador, ela poderá cair, ou subir, independentemente de sua dedicação ou talento. Nada mais corrosivo para a motivação da equipe e para a retenção de quadros estratégicos!
O lucro líquido é, também, extremamente volátil ante a outras situações que pouco têm a ver com o desempenho das lideranças da operação, como a venda de um terreno. A verdade é que, entre lucro líquido e EBITDA, a segunda métrica é muito mais adequada para aferir o desempenho de executivos, ainda que possua limites. É utilizada internacionalmente para comparar o desempenho de empresas, pois não sofre a influência da estrutura de capital das companhias. Seu foco está mais próximo da atuação do time de liderança, isto é, da operação. A métrica, por exemplo, induz executivos a reduzirem despesas. Isto porque todo OPEX (despesas operacionais) alto compromete o indicador.
Mas o EBITDA é omisso para coibir o risco embutido em um crescimento obtido via alavancagem. Nesses casos, torna-se confortável ao gestor movido a resultados baseados nesse indicador acelerar o crescimento do negócio. Por que não fomentar a abertura de filiais, ainda que à custa de aportes de recursos externos à operação – sejam eles provenientes dos acionistas, sejam de terceiros?
O EBITDA é inócuo, ainda, para refrear o excesso de investimentos em equipamentos ou em instalações para a expansão do negócio (CAPEX). No limite, essa situação pode induzir a alta direção ao ímpeto de, repetidamente, solicitar aos acionistas novos investimentos em máquinas, os quais não comprometerão o seu bônus ao final do ano, negligenciando a manutenção dos equipamentos já em uso.
Talvez o mais preocupante seja quando o incentivo de resultados baseados no EBITDA fomenta o desequilíbrio de caixa. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando a área de compras negocia descontos elevados junto a fornecedores, mas para pagamento à vista. Assim, ainda que o EBITDA cresça, em algum momento, a empresa será obrigada a pagar caro para buscar capital de giro.
Resumo da ópera: é recomendável que o EBITDA – como o critério para avaliar o desempenho dos executivos – seja temperado por outro indicador – um que possa medir a saúde do caixa. Mas, cá entre nós, a questão é complexa. A resposta está em incentivos de longo prazo. A melhor solução é dispor de um mix de remuneração, cujo principal componente seja auferido paulatinamente, após o terceiro ano de dedicação à empresa. Assim, todos trabalham de olho em um negócio sustentável ao longo do tempo, aproximando os interesses dos acionistas e dos executivos.
Artigo publicado originalmente na versão impressa da revista Melhor – Gestão de Pessoas.